Mateus André, o comandante da Polícia do regime, oficialmente baptizada como Polícia Nacional, cumpre ordens (que só podem ser do Chefe do Governo, por sinal também Presidente da República) e mobilizou para a igreja da Sagrada Família, em Luanda, forças capazes de aniquilar o perigoso “inimigo”.
Por Orlando Castro
A ssim, também lá estiveram a Polícia de Intervenção Rápida, brigadas caninas e canhões de água. Era preciso não subestimar o poderio desse perigoso “inimigo” que estava munido – e daí se compreender os cuidados policiais – com velas, rezava e entoava cânticos.
“Inimigo” que deu a esta operação de rebelião e tentativa de golpe de Estado o nome de código de “vigília”.
Mateus André cumpriu as ordens com toda a eficiência. O “inimigo”, ciente de que a Polícia do regime dispara primeiro e pergunta depois, resolveu dar em debandada e regressar a casa. A noite, o corte de electricidade, faziam prever um banho de sangue. Sangue de inocentes que, contudo, na terminologia oficial são tudo menos inocentes.
O regime sabe que os cidadãos envolvidos nesta vigília de solidariedade para com os jovens activistas detidos, sobretudo agora com Luaty Beirão que por estar há 20 dias em greve de fome corre risco de vida, são marginais que querem derrubar o Governo. E, como é hábito, mandou os seus polícias e afins (serviços secretos, por exemplo) mostrarem quanto o regime é forte com os fracos e fraquinho, muito fraquinho, com os fortes.
Mais uma vez, o mais alto magistrado do reino mostra que até tem medo da própria sombra. Só assim se percebe que enfrente velas acesas numa vigília utilizando metralhadores, pacatos cidadãos com canhões de água.
Mateus André não desiludiu as ordens do chefe. Se o mandarem meter na ordem os fantasmas do Presidente Eduardo dos Santos, ele voltará a cumprir. E quem diz fantasmas diz sombras, diz o vento, diz os delírios. Nada disto abona a inteligência dos donos do reino. Mas isso, pensa Eduardo dos Santos e os seus acólitos, não conta porque os escravos são matumbos. Está enganado. Os escravos vão derrubar o senhor feudal e mostrar que, afinal, o poderio policial e militar nada mais é do que o estertor da fera.
Os operacionais sob o comando de Mateus André recolheram material para posterior peritagem. Admite-se que venham a descobrir que os participantes nesta vigília tinham mísseis escondidos nas velas, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nas rezas e cânticos.
Certamente que os homens dos serviços secretos vão descobrir que, na sacristia, estava escondido todo um exército, e que nas hóstias estavam disfarçados os códigos para lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos Santos…
Esperava-se, contudo, mais de José Eduardo dos Santos. A vigília foi numa Igreja. Sendo o Presidente o único representante de Deus na Terra e que, por isso, tem poderes adivinhação que o levam até a saber com exactidão milimétrica o que as pessoas pensam, foi uma desilusão não ter mandado reduzir a escombros esta Igreja.
Foram, aliás, esses poderes que permitiram a prisão dos jovens em flagrante delito: estavam no momento em que foram detidos a pensar numa solução para o derrubar. E isso constitui só por si matéria de facto para os mandar matar.